Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida

Há um ano, por uma inspiração nascida no coração do nosso Papa Francisco, vivemos um tempo forte na Igreja, celebramos o Ano Santo da Misericórdia. Em todas as dioceses do mundo foram abertas “portas santas”, também chamadas “portas da misericórdia”. Essas portas manifestavam a grandeza da misericórdia de Deus que é sempre maior que qualquer pecado. Quem passava por essas portas era chamado a experimentar o amor de Deus que consola, perdoa e dá esperança (cf. MV 3).

Na celebração de hoje encerramos o Ano Extraordinário da Misericórdia, convocado pelo Papa Francisco. No próximo dia 20, o Papa Francisco vai encerrar o Ano Extraordinário da Misericórdia, em Roma. Concluímos em nossa Arquidiocese, e em todas as Dioceses do mundo, esse Jubileu. Ao encerrá-lo, porém, não podemos deixar morrer em nossa prática cotidiana o caminho de misericórdia que trilhamos ao longo deste ano.

Inúmeras foram as demonstrações de fé e de amor que vimos com nossos olhos. Quantas pessoas, ao cruzar o limiar da Porta Santa, fizeram uma experiência da misericórdia do próprio Deus! Crianças, jovens, adultos e anciãos; casados e solteiros, religiosos (as) de vida ativa e de vida contemplativa, formandos e sacerdotes, doentes e sadios, livres ou encarcerados, paróquias e pastorais, sozinhos ou em grupos organizados, muitos acorreram a este lugar para contemplar o mistério da misericórdia e aqui experimentar alegria, serenidade, amor e paz.

O amor nunca poderia ser uma palavra abstrata. Por sua própria natureza, é vida concreta: intenções, atitudes, comportamentos que se verificam na atividade de todos os dias. A misericórdia de Deus é a sua responsabilidade por nós. Ele sente-se responsável, isto é, deseja o nosso bem e quer ver-nos felizes, cheios de alegria e serenos. Tal como Deus é misericordioso, assim somos chamados também nós a ser misericordiosos uns para com os outros (cf. MV 9).

A misericórdia precisa ser traduzida em atitudes de vida e de compromisso, dentro de nossos lares, depois em nossas relações fraternas até chegar ao nosso comportamento social. Esposos precisam experimentar a misericórdia perdoando-se e respeitando-se mutuamente, pais e filhos, irmãos e irmãs. Nossas famílias e comunidades devem ser casas de misericórdia!

É triste ver como a experiência do perdão na nossa cultura vai rareando cada vez mais. Em certos momentos, até a própria palavra parece desaparecer. Todavia, sem o testemunho do perdão resta apenas uma vida infecunda e estéril, como se vivêssemos em um deserto desolador. Este Ano Santo deve ter nos ajudado a assumir o anúncio jubiloso do perdão, de regressarmos ao essencial e ter nos levado à consciência de que o perdão é uma força que ressuscita para nova vida e infunde a coragem para olhar o futuro com esperança (cf. MV 10).

É essa a esperança descrita na primeira leitura da celebração de hoje. O Profeta Malaquias anuncia para aqueles que temem a Deus, o Sol da Justiça trazendo em suas asas a salvação.

Ao usar essa linguagem poética, o profeta lembra que a justiça de Deus vencerá o mal e a iniquidade. Justiça, na Sagrada Escritura, é concebida essencialmente como um abandonar-se confiante à vontade de Deus (cf. MV 20). A justiça de Deus torna-se a libertação para quantos estão oprimidos pela escravidão do pecado e todas as suas consequências. A justiça de Deus é o seu perdão (cf. MV 20).

Diante da oferta da graça e da misericórdia de Deus, cabe-nos atitudes de responsabilidade e de comprometimento. São Paulo, na segunda leitura de hoje, rejeita a atitude de passividade, preguiça e descompromisso.

O Reino de Deus é dom, mas é também nossa missão. É trabalhando honestamente que se pode comer com tranquilidade o próprio pão. O texto sagrado nos faz pensar na necessidade de buscar oferecer possibilidades para que todos tenham trabalho e, assim, todos tenham pão, o necessário para viver com dignidade. Leva-nos a uma crítica a um sistema que põe o dinheiro acima de tudo e gera desemprego e fome. Por outro lado o texto pede nosso compromisso concreto de ação em favor dos irmãos e da construção de um mundo mais humano e solidário. Não podemos escapar às palavras do Senhor, com base nas quais seremos julgados: se demos de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede; se acolhemos o estrangeiro e vestimos quem está nu; se reservamos tempo para visitar quem está doente ou preso (cf. Mt 25,31-45). De igual modo ser-no-á perguntado se ajudamos a tirar da dúvida, que faz cair no medo e muitas vezes é fonte de solidão; se fomos capazes de vencer a ignorância em que vivem milhões de pessoas, sobretudo crianças desprovidas da ajuda necessária para se resgatarem da pobreza; se nos detivemos junto de quem está sozinho, angustiado e aflito; se perdoamos a quem nos ofende e rejeitamos toda forma de vingança e ódio que levam à violência; se tivemos paciência, a exemplo de Deus, que é tão paciente conosco; enfim, se na oração confiamos ao Senhor os nossos irmãos e irmãs. Em cada um destes “mais pequeninos” está presente o próprio Cristo. A sua carne torna-se de novo visível como corpo martirizado, chagado, flagelado, desnutrido, em fuga... a fim de ser reconhecido, tocado e assistido cuidadosamente por nós (cf. MV 15).

Mesmo diante da clareza do mandato de Jesus e da experiência da sua misericórdia por nós, podemos nos perguntar: “Mas em meio a tantas dificuldades, injustiças e provações vale a pena fazer o bem?” “Sou apenas uma gota d’água em um oceano...” Jesus interpela-nos no Evangelho de hoje: “é permanecendo firmes que iremos ganhar a vida!” (Lc 21,19).

É tempo de testemunharmos a nossa fé!

Nesse anseio do testemunho, não estamos sós! Acompanha-nos a Virgem Maria! É providencial que ao concluirmos o Ano da Misericórdia estejamos vivendo o Ano Mariano Nacional e o Jubileu dos 300 anos do encontro da imagem da Virgem da Conceição Aparecida. A doçura do seu olhar materno nos acompanha... A Mãe do crucificado-ressuscitado entrou no santuário da misericórdia porque participou e testemunhou intima e profundamente do mistério do seu amor.

Nossa Arquidiocese de Aparecida é a anfitriã desse acontecimento que quer ser fonte de bênçãos para todo o Brasil. Destas terras benditas e escolhidas por Deus para manifestar sua misericórdia sobre o nosso povo, na fragilidade e pequenez da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida vemos a concretização do cântico de Maria: “o Senhor fez em mim maravilhas, Santo é seu nome!” (cf. Lc 1,46).

Somos todos chamados como Nossa Senhora a abandonarmo-nos nas mãos do Senhor e, ainda que pequenos e frágeis, confiarmos e deixarmo-nos surpreender por Deus. Ele nunca se cansa de escancarar a porta do seu coração, para repetir que nos ama e deseja partilhar conosco a sua vida. (cf. MV 25). Em meio às dificuldades que sempre teremos de enfrentar, Deus nunca nos deixará sozinhos; a sua ajuda, a sua misericórdia nunca nos faltarão para podermos superar nossas dificuldades por maiores que sejam.

Dom Raymundo Card. Damasceno Assis
Arcebispo de Aparecida, SP